sexta-feira, 9 de novembro de 2007

pecados profanos


texto. Flávia Lorenzi
pintura: NB


Ela acordou cedo, bem mais cedo do que era o seu costume. O sol que adentrava seu quarto nas primeiras horas da manhã perturbou seu sono culpado. Era domingo e o dia acordava feliz. Qual era o motivo de tanta cor? Sua alma era um cinza pálido e um vermelho no meio do peito apertado. Acordara pensando em marcar uma hora antecipada com o seu terapeuta, mas depois de alguns minutos, refletindo melhor tivera uma certeza, o que precisava enfim era de um confessionário, isso mesmo, precisava ir a igreja se confessar. Não que isso fosse uma prática sua, na verdade só havia se confessado na véspera de sua primeira comunhão, há quase vinte anos atrás. Disse ao padre com um olhar envergonhado, eu sou malcriada! Faço malcriação pra minha mãe e pro meu pai e ele a mandou ir para o fundo da capela e rezar tantas ave marias e pai nossos, eram poucas, seus pecados também, embora seus pensamentos pecassem sempre, ela não tivera coragem de dize-los ao velho padre que mal a ouvia. Quais são os pecados de uma menina de nove anos? Senão todos, poucos seriam em ato pecados profanos. Mas naquela manhã de domingo, aos 27 anos, haveria algum padre nas redondezas diposto a ouvir seus recentes pecados?
Saiu de casa. Deixou na cama seu homem. Botou na boca o mesmo vermelho que apertava seu peito. Inclinou a nuca para trás. Sentiu o peso de seus pensamentos profanos deslizarem pelo seu corpo quase casto. Precisava logo se livrar dos seus desejos corruptores para manter-se ainda quase pura.
Trancou a porta de seu apartamento. Desceu as escadas. Nove andares. Pensamentos em alta velocidade. É preciso salvar-se, ou danar-se de uma vez.
Rodou o bairro. Estomago vazio. Cabeça infestada. No alto uma cruz. A salvação.
Subiu o morro. Chegou a casa de Deus. Portas fechadas. Ainda era cedo.
Então deitou seu corpo quente na madeira e Deus a recebeu desconfiado.
Adentrou pela nave da igreja. Olhou para o teto. Quantos anjinhos. E ela? Não seria mais um? Não. Ela já era mulher. Tinha curvas. Seios. Lábios e desejos.
Foi se aproximando do altar e sentiu o seu corpo pecar. Precisva se libertar.
Limpar-se de tanto desejo. Foi então que lembrou-se do antigo padre de sua infância.
E a frase ressou em seu corpo. Sou malcriada! Sim ela era. Era uma pecadora.
Precisava pecar para libertar-se. Soltou seus cabelos que iam até a cintura. Dobrou a saia que ia até os joelhos. Saiu correndo. Ainda era cedo. Ele devia dormir até o meio dia. Dava tempo.
Tocou a campanhia. Baco sorridente a recebeu. Seja minha. Bacante. Dance! Beba o vinho da libertação.
Ela então subiu as mãos pela saia já curta e fez-se pecado. Intensamente pecado. Pecou. Pecou tanto tanto que ao fim libertou-se do desejo desassossegado que orpimia seu corpo feminino. Borrou o vermelho da boca. Despenteou os seus pelos cabelos longos e finos. Rodou na volupia do querer sem limite. E se foi.
Subiu os nove andares. Já cansada e liberta. Ainda era tempo.
Deitou-se ao lado dele. E quase casta adormeceu novamente.

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