quinta-feira, 29 de novembro de 2007

desimportância

texto escrito em 31/08/06
by FL

Não importa
Desimporta
Dês faz-se o sonho
Em palavras que nos levam a descer
Descer
Nos acreditando assim,
Mais um entre todos os uns
Que transitam e indagam e silenciam e desacreditam e sucumbem a solidão diária da raça humana, que mendiga afeto nas esquinas dos encontros e desesperam-se em seu narcisismo desmontado.
A corrida é finita e pouco importa ao cosmo o seu eu; a dor não é solitária, é o que nos une na desesperança em busca de alguma instância milagrosa de um acontecimento que valide toda a caminhada.
Egocentrismo é sentir-se solitário sozinho,
Na grande metrópole cinza,
Surda,
E barulhenta,
Caminhando somos todos iguais,
E a aurora gritará em nosso corpo a cada amanhecer e caminhando somos todos uns.
Não importa nada,
Nem Peter Brook, nem Pina Baush, nem aquela namorada, nem a outra, nem a que esta por vir. Nada aplacará a solidão da desimportância.
Narcisos burgueses estão caindo.
Uma nova mascara esta surgindo.
É preciso gritar alto, mais alto e mais e mais para ninguém lhe ouvir,
E responder-lhe com congratulações te iludindo de que você é alguém.
Já não sou alguém há muito tempo.
Fui desmontada,
Fragmentada,
Desimportada.
Sou só a força de um grito que precisa da força dos vossos gritos.
Estaremos mais unidos e sozinhos do que jamais pudemos imaginar.
E logo logo tudo se acaba,
Evapora
Finitude
Memória
História
Cinzas

Ao cosmos,
Que não da a mínima e se deita lá em cima acompanhado das estrelas,
que dormem e choram,
Baixinho, baixinho, baixinho...

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

não fique triste...


o balance balance...
quero dançar com vc...
entra na roda morena pra ver...
o balance balance...

o jardineira por que estais tão triste
mas o que foi que lhe aconteceu
foi a camélia que caiu do galho
deu dois suspiros e depois morreu...
ei jardineira, ei meu amor...

mulata bossa nova caiu no rali gali
e só da ela, ei ei ei ei ei ei ei
na passarela...

olha a cabelereira do zezé...
será que ele é? será que ele é?


ahahahahhahahahaha... eita tempo bom...
quero ser feliz agora e voltar a sonhar!

Fátima em movimento


a vida afogava tanto aquele ser
a luz do dia lhe causava fotofobia
o amor transboradava pelos olhos
e contorcia suas viceras

onde estava a porta de saída?
onde ressoava o amor
nos olhos do encontro?

Fátima não era mais uma menina, mas ainda era moça, recatada nos seus modos, no coração romântico, nos sonhos errantes. Mas era um ser em transformação. A vida corria pelo seu corpo. Fátima estava experimentando novas sensações. Estava perdendo o medo. Medo de altura. E assim aprendendo a voar. Havia decidido se entregar a instabilidade cotidiana da vida. Mas seu corpo era frágil e sofria. Com os ventos fortes que arrebatam os seres que voam. Fátima ainda era uma menina. Que sonhava colorido e acreditava no amor infinito. Mas era dificil ser esse ser etéreo feminino. Esses dias. A pouco tempo, ouvi dizer que ela havia feito as malas e partido. Assim, assim mesmo. Partiu. Deixou tudo como estava. Cigarro pela metade. Café sem acabar. Computador ligado. Louça na pia. Chuveiro ligado. Em um roupante de fúria, desespero e decisão, Fátima abriu a porta de casa e se foi. Comprou passagens. Embarcou. Cruzou oceano. Comprou chapéu novo. Caminhou. Queria ir a Paris e foi. Perambulou pelas ruas. Virou um flanêur de chapéu e botas, sem lenço nem documento. Era preciso se encontrar com a frieza, com a verdadeira solidão. Com ela mesma. Fátima era moça bonita e muito bem tratada. Não tinha rapaz que não a desejasse, por isso não lhe faltaria amor por muito tempo. Mas ela não estava em busca dele. Queria entender o que acontece com os seres que decidem voar. Queria entender o que acontece quando botamos a vida em movimento constante sem frear. Então ela foi. Se entregou na realidade cinza e ancestral da cidade luz. Ontem recebi um cartão dessa moça que dizia assim:

Bonjour mon cherry.
Je suis `a Paris.
Je suis tres content!
Et c'est fini!

terça-feira, 27 de novembro de 2007

que será

hoje que será ontem
presente que será passado
fato que será memória

cada dia se esvaindo
escorrendo pelo nosso corpo
concreto abstrato
reto ondulado

em cada aurora
uma nova solidão
e somos todos solitários

e tudo ainda faz muito sentido
e tudo sempre fará
e nunca será
sentido

hoje que será ontem
fato que será memória
memória que será imagem

que será corpo presente
preenchido de passados
de sentidos
ausentes

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

e se a gente for feliz...


e se a gente descobrisse que é possivel ser feliz...

e se a gente então sorrisse... sorrindo... sendo... aquilo que não sabemos ser...

e se a gente abrir os braços e dar pro mundo o nada que somos...

e se a gente decidisse se beijar...

e se a gente decidisse então parar... para poder quem sabe estar...

e se a gente caminhar... caminhando... adelante... avante... solitários...

e se o sol então nascer... as flores se abrirem... a vida chamar...

e se o samba te salvar... e se o seu corpo pedir mais...

é possivel então sonhar... se a gente se entregar...

e se a vida lhe sorrir... os caminhos vão se abrir...

e se a força do acontecimento prevalecer...

e se o encontro encontrar retorno retornar renascer...

e se eu me esquecer... pra então poder viver...

e se eu for feliz... hoje...

pra amanhã redescobrir na tristeza ensolarada como fazer pra voltar a sorrir...

e se eu for poeta... e você um pateta...

e se eu gostar de rimar... desrimando... soletrando...

e se eu gostar de sambar...

ver o dia amanhecer feliz...

e se eu quiser começar tudo denovo... e se a gente sempre recomeçasse tudo...

e se a gente se reencontrasse...

e se dionisio me tomasse... e se o azul me salvasse...

e se a vida for exatamente isso mesmo...

e a morte for só a vida ao avesso...

e se a gente cantasse... e se a gente se calasse.

eu não! eu vou gritar com meus pulmões! eu vou pra rua! eu vou procurar pela vida!

eu vou rodopiar na avenida! eu vou amar! eu vou me dar! me jogar! eu vou ser feliz!

pelo menos até amanhã... por que a tristeza é comapnheira e se aloja sorrateira no

coração da moça que sabe chorar...

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

tempo de voar!

já era tempo de voar...
há muitos anos ela vivia em seu casulo, quente e protegido,
mas agora os ventos a chamavam...
chamavam a borboletinha que vivia no casulo dourado...
e ela que nunca ouvia o vento, resolveu ceder...

ouviu... voou... livre... azul... leve...

a moça comprou passagens,
fez passaporte,
tomou um porre!

a menina dançou na festa,
sorriu pra vida,
e se fez dançarina!

o movimento era inerente ao seu corpo,
entregou-se a dança,
soltou as tranças,
saltou pela janela!

era a queda! para um novo amanhecer...

era preciso inventar histórias...

viver! sonhar! acreditar!

voa voa borboleta!

pro dia amanhecer feliz!

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Vinicius - Mensagem à poesia


Mensagem à poesia


Não posso
Não é possível
Digam-lhe que é totalmente impossível
Agora não pode ser
É impossível
Não posso.
Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.

Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar
Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.
Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo
E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo
A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo
Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe
Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso reconquistar a vida
Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos
Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso.
Ponderem-lhe, com cuidado – não a magoem... – que se não vou
Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num cárcere
Há um lavrador que foi agredido, há um poça de sangue numa praça.
Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus
Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem
Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens
E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto
Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento
Aos homens perplexos; digam-lhe que me foi dada
A terrível participação, e que possivelmente
Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias
Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.
Se ela não compreender, oh procurem convencê-la
Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe
Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me
Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado
Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento
Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado
Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha numa estrada
Junto a um cadáver de mãe: digam-lhe que há
Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem
Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia
Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande
Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações
Há fantasmas que me visitam de noite
E que me cumpre receber, contem a ela da minha certeza
No amanhã
Que sinto um sorriso no rosto invisível da noite
Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso
Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora
Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde
De ter de abandoná-la neste instante, em sua imensurável
Solidão, peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale
Por um momento, que não me chame
Porque não posso ir
Não posso ir
Não posso.

Mas não a traí. Em meu coração
Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa
Envergonhá-la. A minha ausência.
É também um sortilégio
Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-Ia
Num mundo em paz. Minha paixão de homem
Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha
Loucura resta comigo. Talvez eu deva
Morrer sem vê-Ia mais, sem sentir mais
O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr
Livre e nua nas praias e nos céus
E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse
O meu martírio; que às vezes
Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas
Forças da tragédia abastecem-se sobre mim, e me impelem para a treva
Mas que eu devo resistir, que é preciso...
Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência
Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática
Num amor cheio de renúncia. Oh, peçam a ela
Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo
A quem foi dado se perder de amor pelo seu semelhante
A quem foi dado se perder de amor por uma pequena casa
Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho
A quem foi dado se perder de amor pelo direito
De todos terem um pequena casa, um jardim de frente
E uma menininha de vermelho; e se perdendo
Ser-lhe doce perder-se...
Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível
Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame
Que me espere, porque sou seu, apenas seu; mas que agora
É mais forte do que eu, não posso ir
Não é possível
Me é totalmente impossível
Não pode ser não
É impossível
Não posso.



Vinícius de Moraes

terça-feira, 20 de novembro de 2007

caetanear

"veio e não veio quem eu desejaria
se dependesse de mim
são paulo em cheio nas luzes da bahia
tudo de bom e ruim
era o fim, é o fim, mas o fim é demais também"

...


sou meio passarinho, meio borboleta, meio flor, meio árvore, sou alguma coisa assim meio da natureza... gosto dos seres humanos e de ser humana embora seja tão flor, tão só, tão nada. Gosto da dança dos encontros. E dos erros que percorrem o corpo! Gosto do avesso e da contradição do olhar que quer... Sou triste, embora tão alegre eu fique! Gosto de ser bailarina, sem saber dançar! Vou ao cinema pra vida fazer sentido! Escuto Beatles e penso em viver dentro de uma de suas canções! Sou uma menina torta! Apaixonada por Garcia Lorca! Ai, quanto trabalho me custa!


não sou mais aquela que era... sou aquilo que não sou, não fui e nem serei... sou um espaço, uma pausa, um respiro, um adeus.

do vazio nasce a dança que impulsiona a vida!

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

processo



de luas, desatino e aguaceiro
todas as noites que não foram tuas.
amigos e meninos de ternura

intocado meu rosto-pensamento
intocado meu corpo e tão mais triste
sempre a procura do teu corpo exato.

livra-me de ti. que eu reconstrua
meus pequenos amores. a ciência
de me deixar amar
sem amargura. e que me dêem

a enorme incoerência
de desamar, amando. e te lembrando

- fazedor de desgosto -
que eu te esqueça.

HILDA HILST
"não deixe o samba morrer...
não deixe o samba acabar...
o morro foi feito de samba,
de samba pra gente sonhar..."

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

A insustentável leveza do ser


MILAN KUNDERA

"O mais pesado dos fardos nos esmaga, verga-nos, comprime-nos contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o fardo do corpo masculino. O mais pesado dos fardos é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da realização vital mais intensa. Quanto mais pesado é o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais real e verdadeira ela é.
Em compensação a ausência total de fardo leva o ser humano a se tornar mais leve do que o ar, leva-o a voar, a se distanciar da terra, do ser terrestre, a se tornar semi-real, e leva seus movimentos a ser tão livres como insignificantes.
O que escolher então? O peso ou a leveza?
A contradição pesado/leve é a mais misteriosa e mais ambígua de todas as contradições."

"Não existe meio de verificar qual é a decisão acertada, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio já é a própria vida? É isso que leva a vida a parecer sempre um esboço. No entanto mesmo esboço não é a palavra certa, pois esboço é sempre projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro. Uma vez não conta,uma vez é nunca. Poder viver apenas uma vida é como não viver nunca."

"Tomas não sabia então que as metáforas são uma coisa perigosa. Não se brinca com as metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora."

"O acaso tem seus sortilégios, a necessidade não. Para que um amor seja inesquecível, é preciso que os acasos se encontrem nele desde o primeiro instante como os pássaros nos ombros de São Francisco de Assis."

"No primeiro plano, havia sempre um mundo perfeitamente realista e, um pouco mais ao fundo, como atrás de uma cortina rasgada de um cenário de teatro, via-se algo mais, algo misterioso e abstrato. Na frente estava a mentira intelígivel, e atrás a incompreensível verdade."

inútil dormir que a dor não passa


imagem: baskerville
texto: f.l.


chuva que não passa. madrugada solitária.ela tenta procurar ajuda.inútil dormir que a dor não passa.ela já morreu muitas vezes.e inventou de renascer outras tantas.cansou de esperar o vento mudar.comprou passagens. fez as malas. foi atrás de novos ventos. mas a tempestade a perseguia.inútil dormir que a dor não passa.era um corpo ferido e amputado.a procura de um reflexo no espelho.uma nova realidade.nada mais florecia naquela primavera.o seu jardim fora amputado. sua terra estava seca. os seus olhos molhados. todos os seus laços rompidos. todos os seus amigos partidos. ela havia sido apresentada a solidão. a concreta solidão. arrumava desculpas. botava vestidos. ás vezes perfume. ligava o carro. fumava cigarros. sentava nos bares. trocava olhares vazios. se cansava de si mesma. se deitava solitária. inútil dormir que a dor não passa.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

o barulho do silêncio


imagem:nb
texto: fl


o silêncio da madrugada invade meu corpo
o silêncio das palavras não ditas
o silêncio que eu aprendi a ter
o silêncio que eu aprendi a conviver

eu que sou tanto barulho
tantas palavras
tanto fervor

quando chega a madrugada
sozinha neste apartamento colorido
me encontro no meu silêncio mais doído
na solidão que não finda

mas me encontro
me reconheço
e agradeço ao silêncio
que virou meu amigo
meu amante
meu barulho

seja bem vindo silêncio
e fique por aqui
o tempo que tiver que ficar

mamãe


texto: flávia lorenzi

ah...
hoje disse a minha mãe:
mãe queria ser pequena denovo!
ela muita sábia respondeu:
mas pequena não dá mais pra ser!
mas mãe não ia ser bom? pq assim vc seria denovo tb!
ah sim minha filha eu também queria ser denovo menina,
mas não minha filha vc já cresceu!
e sempre quis crescer! sempre foi precoce!
eu até podia ter cuidado mais de vc, mas vc não quis!
agora dói pequena? e por que não ficaste debaixo das minhas asas quentes?
agora dói? eu sei como dói!

e a mãe, da menina, que era eu e agora já é ela e eu sou apenas a outra,
a mãe da menina, que é minha também, pos se a falar.
falou, falou, falou... sobre o tempo que tinha a sua frente.
sobre como a vida passa, sobre como a vida dói.

lembramos então juntas da vovó, mãe do papai, que morreu louca, louquinha, entrevada na cama de um quarto vazio, pobre vovó, tão guerreira, tão mulher, tão a frente!
a vida nela doeu!
onde será que está a vovó mamãe?
tá no céu meu bem, lá em cima, virou estrela.
onde mamãe? qual estrela dessas é a vovó?
bem aquela minha filha, que brilha quase azul!
e a bisa mamãe, não vai morrer nunca?
a bisa já tem 100 anos e sabe tudo!
ela é bruxa mamãe?
não, ela é santa minha filha!
e eu mamãe? vou crescer até quando?
vai crescer muito ainda menina.
e vc vai continuar me amando?
tenho medo mamãe, medo que a senhora não me ame além.
mas eu amo minha filha, dei minha vida a você.
mas mamãe eu queria tanto ser igual a você.
mas sou oposto, sendo o avesso do avesso do avesso do avesso,
sou exatamente como você.
eu sei minha filha, eu sei.

e o papai, mamãe?
é mesmo o melhor homem do mundo?
não há outro como ele minha filha!
que pena então mamãe, pq quem casou com ele foi você!
é minha filha foi eu!

e o papai me ama mamãe?
mais que tudo na vida menina, és a jóia rara do papai, seu bem maior, pode acreditar!

mamãe, será que o papai sente saudades da vovó?

mamãe, vou sentir muitas saudades de você!

não queres ir comigo crescer?

minha filha, olha o céu.
quantas estrelas, quantos caminhos, quantos amores.

segue teu caminho de menina minha filha!
mas não te esquecas, minhas asas sentem falta doída da piriquitinha curiosa que um dia foi só minha.

agora vai, que a vida lhe chama e eu tenho que envelhecer!

domingo, 11 de novembro de 2007

a felicidade são frases curtas.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

pecados profanos


texto. Flávia Lorenzi
pintura: NB


Ela acordou cedo, bem mais cedo do que era o seu costume. O sol que adentrava seu quarto nas primeiras horas da manhã perturbou seu sono culpado. Era domingo e o dia acordava feliz. Qual era o motivo de tanta cor? Sua alma era um cinza pálido e um vermelho no meio do peito apertado. Acordara pensando em marcar uma hora antecipada com o seu terapeuta, mas depois de alguns minutos, refletindo melhor tivera uma certeza, o que precisava enfim era de um confessionário, isso mesmo, precisava ir a igreja se confessar. Não que isso fosse uma prática sua, na verdade só havia se confessado na véspera de sua primeira comunhão, há quase vinte anos atrás. Disse ao padre com um olhar envergonhado, eu sou malcriada! Faço malcriação pra minha mãe e pro meu pai e ele a mandou ir para o fundo da capela e rezar tantas ave marias e pai nossos, eram poucas, seus pecados também, embora seus pensamentos pecassem sempre, ela não tivera coragem de dize-los ao velho padre que mal a ouvia. Quais são os pecados de uma menina de nove anos? Senão todos, poucos seriam em ato pecados profanos. Mas naquela manhã de domingo, aos 27 anos, haveria algum padre nas redondezas diposto a ouvir seus recentes pecados?
Saiu de casa. Deixou na cama seu homem. Botou na boca o mesmo vermelho que apertava seu peito. Inclinou a nuca para trás. Sentiu o peso de seus pensamentos profanos deslizarem pelo seu corpo quase casto. Precisava logo se livrar dos seus desejos corruptores para manter-se ainda quase pura.
Trancou a porta de seu apartamento. Desceu as escadas. Nove andares. Pensamentos em alta velocidade. É preciso salvar-se, ou danar-se de uma vez.
Rodou o bairro. Estomago vazio. Cabeça infestada. No alto uma cruz. A salvação.
Subiu o morro. Chegou a casa de Deus. Portas fechadas. Ainda era cedo.
Então deitou seu corpo quente na madeira e Deus a recebeu desconfiado.
Adentrou pela nave da igreja. Olhou para o teto. Quantos anjinhos. E ela? Não seria mais um? Não. Ela já era mulher. Tinha curvas. Seios. Lábios e desejos.
Foi se aproximando do altar e sentiu o seu corpo pecar. Precisva se libertar.
Limpar-se de tanto desejo. Foi então que lembrou-se do antigo padre de sua infância.
E a frase ressou em seu corpo. Sou malcriada! Sim ela era. Era uma pecadora.
Precisava pecar para libertar-se. Soltou seus cabelos que iam até a cintura. Dobrou a saia que ia até os joelhos. Saiu correndo. Ainda era cedo. Ele devia dormir até o meio dia. Dava tempo.
Tocou a campanhia. Baco sorridente a recebeu. Seja minha. Bacante. Dance! Beba o vinho da libertação.
Ela então subiu as mãos pela saia já curta e fez-se pecado. Intensamente pecado. Pecou. Pecou tanto tanto que ao fim libertou-se do desejo desassossegado que orpimia seu corpo feminino. Borrou o vermelho da boca. Despenteou os seus pelos cabelos longos e finos. Rodou na volupia do querer sem limite. E se foi.
Subiu os nove andares. Já cansada e liberta. Ainda era tempo.
Deitou-se ao lado dele. E quase casta adormeceu novamente.

noite



texto. flávia lorenzi
pintura: baskerville

ainda sou menina.
procurando a mulher bailarina.

está semana recebi visitas.

hilda hilst.
dionisio.
ariadne.

tomei o vinho sagrado.
libertei-me de mim mesma.

da menina.
pouco resta.
tudo sou.

nada.
nada.
sou o nada que me vista nessas noites de solidão.

fumei cigarros.
ouvi o silêncio.
deitei-me sozinha mais uma vez.

senti ódio.
senti amor.
senti falta.

do corpo que existia em mim.

Hilda Hilst



I.
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me denovo. Por que esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me denovo. Com menos altivez.
E mais atento.

II.
Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida avidez, vasta ventura
Por que é mais vasto o sonho que elabora

Há tanto tempo sua própria tessitura.

Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

buracos vazios



texto e foto.
flávia lorenzi


2.
Buracos Vazios. Profundos abismos de nada.
Ela foi à festa e não encontrou ninguém. Tentou disfarçar.
Colocou roupa, sapatos e brilhos. A descida continuava ininterrupta.
Foi ao açougue. Sentiu o cheiro de suas entranhas.
Deparou-se com a nudez da carne exposta e seccionada.
Voltou a festa e não encontrou ninguém. Pediu água natural.
Embebedou-se de água e melancolia e sentiu cheiro de sangue.
Então foi ao banco pagar sua primeira conta.
Aflita na fila se perguntava coisas banais. Mais uma vez se deu conta da grande mentira que a envolvia. A felicidade quer ser vendida em telas coloridas. Não existe felicidade nas filas operárias de gente comum.
Ela era assim um ser tão ordinariamente comum?
Sim ela era. Comum. E isso doía. A condição ordinária da vida mortal a oprimia.
Queria tocar em outras cores, outros sons, outros odores.
Mas a vida a jogava no cinza diário de uma vida paulistana ordinária.
Seria assim por muitos dias, meses, talvez anos e nada aconteceria nas festas.
Não teria ninguém para encontrar. Toda a maquiagem iria se desfazer com as lágrimas que escorriam de seus olhos em profundo desespero.
Precisava encontrar logo uma nova mentira para se apoiar.
A realidade era dura demais para aquele ser.
Só nos sonhos era possível viver.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

quero de novo cantar!


Tristeza, por favor vai embora
Minha alma que chora
Está vendo o meu fim

Fez do meu coração a sua moradia
Já é demais o meu penar
Quero voltar aquela vida de alegria
Quero de novo cantar

Tristeza, por favor vai embora
Minha alma que chora
Está vendo o meu fim

Fez do meu coração a sua moradia
Já é demais o meu penar
Quero voltar àquela vida de alegria
Quero de novo cantar

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

alice bailarina


texto. flavia lorenzi

a menina quando ainda podia sonhar gostava de ver filmes encantados que a faziam viajar... gostava de ver alice desaniversariar... gostava de ver a bela que adormecia acordar... a menina quando ainda podia acreditar gostava muito de ouvir discos na vitrola... de dançar que nem menina grande... sem pensar em namorar... a menina quando era pequenina chorava com medo de ser abandonada... calçava sapatilhas cor de rosa... andava pelas ruas vestida de bailarina só pra ir até a padaria... a menina menininha sonhava com o palco... com os grandes saltos e piruetas... ... com a grande descoberta... que nada mais era... do que o cotidiano das horas da vida dos homens grandes e responsáveis...
a menina depois de grande não quisera parar de sonhar... se tornara bailarina... mesmo sem saber dançar... mas já tinha sapatilha que guardara dos seus tempos de florzinha... comprou então um vestido bem bonito e se fez assim... bailarina das horas infinitas... do anseio que não finda... da ferida que se alastra... daquilo que eu não sei... da dança do impossivel... da dança que se cria do abismo do encontro violento do desejo que a corrompe a cada dia...
a menina tão menininha acreditava em Deus e tinha certeza que ele a protegia, pois assim sua mãe lhe ensinara... mas a menina já crescida tinha medo da verdade... será que Deus existe mesmo? será que ele gosta de mim? menina tão menina será que ainda podia sonhar? dançar? sonhou dançou envolveu... foi aos poucos bem devagarinho, de mansinho, baixinho contando sua história... a menina queria apenas dançar... sonhar... ser menina menininha que gostava de ver alice cair no fundo mais fundo do sonho mais louco que ela já vira alguém sonhar... desaniversariar...

o amanhã.


texto: Flávia Lorenzi
imagem: Nelson Baskerville

há o amanhã, e o depois do amanhã, e o depois do depois do depois.
há ainda muito...
e a verdade de hoje é a mentira do amanhã.
e tudo se esvai. e cai.
e retorna nos próximos amanhãs que virão.

eu que tanto sabia, que tanto queria, que tanto sofri,
hoje sou a própria mentira!
para vislumbrar uma outra terra no amanhã.
para reinventar um novo corpo para habitar o que está por vir!

tudo caiu!
a queda é ininterrupta!
a queda clama pela queda!
abro os abraços e vou!
tento contemplar o encontro com a morte.
sorrir para mais uma morte que hoje se vai.

tento encontrar uma saída e percebo que não há saída.
não há saída por que não há prisão.
somos livres! no amanhã.
passaros perdidos para o encontro próximo que espreita os nossos dias.

hoje acaba. se foi.
a efemeridade o leva. arrasta.
e lhe presenteia com mais um dia.
o que está por vir.
o que será.
que será?

do amanhã!

vou continuar caindo!

sempre, sempre, além.